quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Lusa Memória
Ilusão e história
lúcida memória,
clara e súbita
subitamente sinto
agudo e doloroso
o peso do velho mundo.
Nas entranhas
sífilis e pus,
da memória original
degredo e abandono.
Da tela escorre
terra à vista,
memória afogada
na primeira missa.
Ilusão e história
sêmen
amém.
Aqui onde a terra finda
Aqui onde a terra finda,
fico como quem ama.
De tanto imaginar
o amado tornar-se.
De mais amar,
sonhar o início,
tornar e voltar,
à rota do precipício.
Sendo só e sendo vento,
tornar-se uno,
nenhum evento,
além do falso fundo.
Chegando único,
chega-se ao nada.
Nada como fim,
do próprio voo solitário.
Onde estão os dias?
Onde estão as luas?
O ser alado, deitando fora
sopro e asa, retorna-se.
Outr'alma
Mapa do Náufrago
Tem uma coisa que vi
que não quero desver,
uma lembrança
que não quero esquecer,
um lugar que não quero
deixar,
alma silenciosa.
Tem um mar que atravessei
que me atravessou,
um sal entranhado na pele
que não quero raspar,
uma viagem que mingua
a lua,
alma inquieta.
E por não saber,
a cada manhã acordo
com a mesma imagem,
da noite clara e distante
no mapa do céu invernal
onde naufraguei,
alma cansada!
Descoberta
Do alto desta vista cá
vou mais longe
pelo rio embarco
ganho o oceano
e cruzo
o arco de sagitário
e o cruzeiro
até o sul e mais
E se a memória de lá
o seu afogado tange
deixo tudo ao largo
resgato o mar liso e plano
de tanto uso
pego flecha e destinatário
abro velas que o vento trás
Agora entendo navegar
e o que mais me constrange
é ter deixado o que abarco
desde aqui ao dano
tudo o que é luso
escrito em diário
de não ser dignatário
tendo voltado ao cais
Rio e Cidade
Acordo
Acordada pela calmaria
a brisa leva os varões,
degredados navegantes,
tem o mar como algoz.
Morrer a cada dia,
encontrar a terra
prometida ilha,
prata e especiaria.
Bastardos aqui assinalados!
Ide onde trava
a imaginação de paraiso.
Lavrai o sonho!
Ainda que tarde
o sulco da escritura,
a mistura de sangue e terra
tange o luso.
Medusas
Ilusória
Boca do Diabo
Évora
Sílabas altas
nas torres brancas
sussurra a fonte
do mouro tempo
serra prata, parte
outrora templo
som em voltas
diz ser deus
no horizonte
Monsaraz
Que cor tem a luz que luz
ocre sobre branco,
sol sobre céu,
o lilás dos dias parados?
Leve abismo sem cair,
Muros claros de pedra sobre pedra
enraizada ao sul.
Há crespos arbustos ressequidos de dentro deste sobre,
saindo para as calçadas,
como saem as viúvas enegrecidas,
lenço, vestido e sapato comendo a claridade.
À frente, estendida e verde,
fresca como gota de chuva na palma da mão,
a sombra de Monsaraz.
Do templo, arco, areia e cal,
e a única lembrança de nunca ter saído
do labirinto embriagador da memória.
Visão
Do mar calmo ao Tejo longe
- mais além as sete colinas-
Evoco o sonho e a alma
e o corpo abarca o desejo onde
tão intensamente enjeitado parto.
Nada prego, senão o paraíso.
Temo pelos gestos bruscos
e pelo momento que calo,
mesmo que o cais monte
doloridamente velas mínimas
Estrangeiro quando falo
nas tormentas e pontes,
naufrago em colo farto.
Senão pátria, que outro rio?
O cesto arde no fogo divino,
vime à deriva urdido,
cala outro ciclo de sal.
Desmancha-se o rito.
Ao olhar atrás o passado, o fio
precário que sustenta os hinos
nos ventos e marés tardias,
cantam feitos demais.
No cal e nos ditos canônicos
para sempre aquém do espírito,
para nunca além do cais.
E ainda assim volto
E ainda acinte quero
E ainda pátria, terra.
Descobrimento
Minh'alma
Alma minha,
preguiçosa sem partir
vais comigo neste espaço
apertado e temporal.
Abraço o corpo,
animal exíguo,
movimento sem sair.
Alma minha
nunca foste gentil,
casa dividida
entre aposta e mesa.
Minh'alma não tem medida,
alça copo e presa,
morde e trinca.
Tenho uma relativa certeza,
minh´alma não é pequena,
arquiteta embarcação,
para além do mar morrer.
Calmaria
Aqui começa a zona temerária,
a divisão entre sala e mar.
A calma toma conta da casa
e o som agita a outra parte,
maremoto e ventania.
Aqui começa a divisão.
O sofá acomoda corpos,
a cisão se dá no tempo,
n´alma creditada por deuses
em alguma nau sumária,
navegando tardia outra rota.
Aqui começa a calmaria,
que ferve submersa e desumana
na onda que toca o grão,
que o deposita mais longe,
na margem oposta do rio,
no outro lado do rio
onde começa o mar.
Oráculo
No início
No início, a palavra,
e a memória doce do berço.
Por causa do mar e das calmarias,
do degredo e das vilanias
cometidas em nome de deuses e santos
aos donos da terra de ouro e prata e verde e azul,
às deusas com suas crias
abatidas e congregadas pela cruz e pelo sabre,
e pela rapinagem de todos os tempos,
a encher baus d'além mar de todos os mares,
cumbucas de deuses negros de outros azuis e verdes,
plasmando solidão e miscigenagem.
Ora a imagem
da tortura e do sal a deixar a terra calcinada
inchar com o sangue
de todas as gangues.
E depois muito tempo depois,
vendo a humanidade
precária em cada alma colonizada,
consumida em instinto e desterro,
nada
que mostrasse o rosto luminoso da terra
a ser repartida e compartilhada
no menor grão no minúsculo oco.
Exilada
me mantive de qualquer pedaço de ter,
e voltei e procurei...
E revirei o mar que alcançava outro pedaço
do meu pedaço de pertencer.
Relendo a memória com outra cor,
caí por terra,
No corpo a dor findava.
A busca que a mim cabia,
o barco o berço o mar,
a travessia...
A terra outrora prometida
do outro lado lusia!
Memória
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Credenciais
I
Se levastes as palavras do sonho,
salvas das garras do sal e do naufrágio...
E se depositastes o grão da fidelidade
na memória, onde de olhos postos,
buscamos a Mãe.
Se na tua lingua levastes o mar,
sereno, o destinatário será,
ao tomar o signo do emblema.
II
Se levastes as bem seladas palavras do sonho,
salvas das garras do sal e do naufrágio,
e se depositastes o grão da fidelidade
na memória, onde de olhos postos, buscamos a Mãe.
Se o fizestes, lembrando o rito essencial
ao depositário do destino,
E se deixastes a missiva no liso oceano
existente por detrás da margem sutil,
Se se na tua lingua levastes o mar,
a palavra alcançará cais.
Se a ofertastes assim, tal zelo se tomará,
que sereno, será o destinatário,
ao receber o signo do emblema.
Se levastes as palavras do sonho,
salvas das garras do sal e do naufrágio...
E se depositastes o grão da fidelidade
na memória, onde de olhos postos,
buscamos a Mãe.
Se na tua lingua levastes o mar,
sereno, o destinatário será,
ao tomar o signo do emblema.
II
Se levastes as bem seladas palavras do sonho,
salvas das garras do sal e do naufrágio,
e se depositastes o grão da fidelidade
na memória, onde de olhos postos, buscamos a Mãe.
Se o fizestes, lembrando o rito essencial
ao depositário do destino,
E se deixastes a missiva no liso oceano
existente por detrás da margem sutil,
Se se na tua lingua levastes o mar,
a palavra alcançará cais.
Se a ofertastes assim, tal zelo se tomará,
que sereno, será o destinatário,
ao receber o signo do emblema.
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